19 outubro 2020

Um olhar sobre os temas de Cobra Kai

 SPOILERS: Esse texto contém spoilers das duas temporadas de Cobra Kai. Leia por sua conta e risco.


Confesso que quando Cobra Kai estreou minha primeira reação era de curiosidade, mas não a ponto de buscar assistir a série o mais rápido possível. Tudo porque Karatê Kid 1, o filme da franquia estrelada por Ralph Macchio que esta produção dá continuidade, nunca esteve entre os meus preferidos dos anos 80. De todos os grandes sucessos dessa década, esse é um dos poucos que não senti vontade de rever mesmo que algumas cenas e outros elementos relacionados, como a música Glory of Love do Peter Cetera, estivessem grudados na memória. Apesar disso, dei uma chance para a série e não me arrependi.



Um dos principais motivos que me levam a fazer essa afirmação é a variedade de temas que Cobra Kai aborda, seja direta ou indiretamente. Não só isso como a série também empolga em alguns momentos com um roteiro que prende a atenção e te faz maratonar uma temporada em tempo recorde. Mesmo não tendo sido o meu caso dessa vez, entendo perfeitamente quem tenha feito isso.

Bom, agora que coloquei todos os pingos nos "is" vou deixar claro qual o meu objetivo com esse texto. De forma descompromissada, pretendo analisar os temas que Cobra Kai aborda e discutir um pouco eles em alguns tópicos.

Resgate nostálgico

Produções que resgatam sucessos dos anos 80 hoje em dia não são nenhuma novidade. Algumas fazem sucesso enquanto outras, apesar de bem-intencionadas, ficam no meio do caminho por vários motivos. No caso de Cobra Kai, o resultado é bem-sucedido quando a série utiliza cenas do primeiro filme e faz uma relação com o que está sendo mostrado na série. E isso acontece seja através de homenagens, referências e até mesmo breves citações. Destaque para trilha sonora com várias músicas que certamente figuram na playlist de quem ainda vive esse período do tempo através delas.

Fonte: DCI
Fonte: DCI


Johnny Lawrence, um homem fora de seu tempo

Anos atrás escrevi um texto sobre estranhamento com a tecnologia no qual usava como exemplo a figura do Capitão América. Hoje em dia se fosse falar sobre isso provavelmente teria o protagonista de Cobra Kai como novo ponto de partida para abordar o tema. Desde o começo quando somos apresentados ao personagem de William Zabka descobrimos que se trata de um homem amargurado e marcado pela derrota no Torneio de Karatê de Karatê Kid 1. Na primeira temporada, há uma sequência que deixa isso claro ao resgatar o momento da derrota dele. Ela termina com ele no chão, derrotado, e corta para os tempos atuais com Johnny dormindo de forma desleixada praticamente na mesma posição. Em outras palavras, é como se independente do tempo a sua derrota estivesse ali mantendo-o no chão sem vislumbre de algo melhor.



Talvez por esse mesmo motivo é que seja fácil entender a sua relação (ou falta dela) com a tecnologia. Apesar de ser mostrada de forma cômica, a sua falta de conhecimentos quando o assunto é notebook, aplicativos, redes sociais, wi-fi é totalmente compreensível. Afinal, para ele, manter-se como um cara dos anos 80 é motivo de orgulho e também, porque não, uma zona de conforto.



O desenvolvimento dos personagens

Vamos ser sinceros. Na grande maioria das produções dos anos 80, como Karatê Kid, a construção de personagens é objetiva e ao mesmo tempo rasa. Sabemos o suficiente sobre eles e ficamos com várias lacunas sobre o background deles. Na história do filme, Daniel Larusso é o mocinho. Um garoto que veio de outra cidade, se apaixona pela namorada do valentão do colégio e sofre com a violência dele e de seus capangas. Johnny Lawrence, o valentão e vilão (adjetivos que até rimam, mesmo de forma não intencional) da vida do mocinho. Na série, isso vai além ao mesmo tempo que respeita essa base. Os dois continuam sendo antagonistas um do outro, mas também tem suas histórias pessoais melhor desenvolvidas. Entendemos melhor o lado do Johnny, mesmo que não concordemos com algumas coisas. Em certos momentos, até torcemos por ele pois sabemos que no fundo ainda há um bom coração ali.



De forma técnica, a produção de Cobra Kai soube mostrar bem como é diferente a vida de ambos. Enquanto nas cenas na casa de Daniel temos planos mais coloridos e abertos o mesmo não ocorre com Johnny. Sua vida é mostrada através de planos mais fechados, sem muita luz ou cor. Curiosamente, quando ele está construindo o seu negócio isso muda.

Bullying e a inversão de papeis

Engana-se quem pensa que Cobra Kai se restringe ao saudosismo e ao desenvolvimento de personagens. Com a apresentação de personagens novos e jovens, a série aborda temas que hoje em dia são mais discutidos e não apenas pano de fundo para filmes dos anos 80. Nesse sentido, Miguel Diaz (Xolo Maridueña) e Falcão (Jacob Bertrand) acabam representando diferentes facetas de quem sofreu  bullying e agora tem como pagar na mesma moeda. Enquanto um utiliza os ensinamentos para se defender e atacar seus opressores o outro se torna um valentão de forma praticamente instantânea. É como se tivesse obtido um grande poder que não traz consigo nenhuma responsabilidade. Na verdade, vai muito além disso. Miguel também se torna uma espécie de valentão, mas com a diferença de ainda ter um caminho de redenção. Já seu amigo Falcão, por outro lado, parece ser o que podemos chamar de fruto do ódio acumulado.




Karate Kid 4, mulheres e...Doctor Who?

Em um dado momento da segunda temporada, Falcão baixa a guarda e se permite conversar rapidamente com seu ex-amigo Demetri (Gianni Decenzo) que lhe conta sobre as mudanças recentes e significativas em Doctor Who. Para quem não conhece a série britânica da BBC, fica aqui uma rápida explicação sobre o protagonista. O personagem pertence a raça dos timelords (Senhores do Tempo) e atende pelo nome de O Doutor. Toda vez que está prestes a morrer, seu corpo se regenera. Ele troca não só de rosto como de personalidade também. Recentemente, O Doutor passou pela sua 13º regeneração que agora é uma mulher (Jodie Whittaker).

Bom, na cena em questão Demetri comenta sobre a mudança alguns segundos antes de O Falcão ver seu ex-namorada beijando outra garota. Nesse mesmo episódio, a rivalidade entre Samantha LaRusso (Mary Mouser) e Tory Nichols (Peyton List) fica mais acirrada como um prenúncio do que estaria por vir no final da temporada.

Pensando nisso, não há como esquecer de que a franquia Karatê Kid já teve em seu quarto filme uma protagonista, Julie Pierce (Hilary Swank), que assim como Daniel-san aprendeu Karatê com o Sr. Myagi. Fica a expectativa para que em uma terceira temporada seu personagem retorne de alguma forma ou haja alguma referência mais clara a ela, algo que seria muito interessante e bem-vindo para uma série com poucas personagens femininas.

 


Encerrando...

 

Esse foi o meu olhar sobre os temas abordados em Cobra Kai, uma série que com certeza foi um prazer ter conhecido. Gostei como a produção respeita suas origens, acrescenta camadas à franquia e ainda expande seu universo através do elenco novo. Por último, recomendo no final do post alguns conteúdos relacionados (entre outras coisas também) que, por sua vez, trazem uma nova abordagem sobre as duas temporadas. 

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